quinta-feira, junho 16, 2005

Nossos dias melhores nunca virão?

Sempre estou na corda bamba dividida entre a pressa de viver e realizar e o nostalgismo de como as coisas eram mais serenas no passado. Por isso, acho que me identifiquei com a crise do Jabor. De certa forma quase sempre me identifico com os textos do Jabor, seja pela visão das relações interpessoais da contemporaneidade, seja pelo sarcasmo com os episódios pitorescos de nosso país.

Nossos dias melhores virão?
Arnaldo Jabor

Ando em crise, numa boa, nada de grave. Mas, ando em crise com o tempo. Que estranho "presente" é este que vivemos hoje, correndo sempre por nada, como se o tempo tivesse ficado mais rápido do que a vida, como se nossos músculos, ossos e sangue estivessem correndo atrás de um tempo mais rápido.

As utopias liberais do século 20 diziam que teríamos mais ócio, mais paz com a tecnologia. Acontece que a tecnologia não está aí para distribuir sossego, mas para incrementar competição e produtividade, não só das empresas, mas a produtividade dos humanos, dos corpos. Tudo sugere velocidade, urgência, nossa vida está sempre aquém de alguma tarefa. A tecnologia nos enfiou uma lógica produtiva de fábricas, fábricas vivas, chips, pílulas para tudo.

Temos de funcionar, não de viver. Por que tudo tão rápido? Para chegar aonde? A este mundo ridículo que nos oferecem, para morrermos na busca da ilusão narcisista de que vivemos para gozar sem parar? Mas gozar como? Nossa vida é uma ejaculação precoce.

Estamos todos gozando sem fruição, um gozo sem prazer, quantitativo. Antes, tínhamos passado e futuro; agora, tudo é um "enorme presente", na expressão de Norman Mailer. E este "enorme presente" é reproduzido com perfeição técnica cada vez maior, nos fazendo boiar num tempo parado, mas incessante, num futuro que "não pára de não chegar".

Antes, tínhamos os velhos filmes em preto-e-branco, fora de foco, as fotos amareladas, que nos davam a sensação de que o passado era precário e o futuro seria luminoso. Nada. Nunca estaremos no futuro. E, sem o sentido da passagem dos dias, da sucessibilidade de momentos, de começo e fim, ficamos também sem presente, vamos perdendo a noção de nosso desejo, que fica sem sossego, sem noite e sem dia. Estamos cada vez mais em trânsito, como carros, somos celulares, somos circuitos sem pausa, e cada vez mais nossa identidade vai sendo programada. O tempo é uma invenção da produção. Não há tempo para os bichos. Se quisermos manhã, dia e noite, temos de ir morar no mato.

Há alguns anos, eu vi um documentário chamado Tigrero, do cineasta finlandês Mika Kaurismaki e do Jim Jarmusch sobre um filme que o Samuel Fuller ia fazer no Brasil, em 1951. Ele veio, na época, e filmou uma aldeia de índios no interior do Mato Grosso. A produção não rolou e, em 92, Samuel Fuller, já com 83 anos, voltou à aldeia e exibiu para os índios o material colorido de 50 anos atrás. E também registrou, hoje, os índios vendo seu passado na tela. Eles nunca tinham visto um filme e o resultado é das coisas mais lindas e assustadoras que já vi.

Eu vi os índios descobrindo o tempo. Eles se viam crianças, viam seus mortos, ainda vivos e dançando. Seus rostos viam um milagre. A partir desse momento, eles passaram a ter passado e futuro. Foram incluídos num decorrer, num "devir" que não havia.

Hoje, esses índios estão em trânsito entre algo que foram e algo que nunca serão. O tempo foi uma doença que passamos para eles, como a gripe. E pior: as imagens de 50 anos é que pareciam mostrar o "presente" verdadeiro deles. Eram mais naturais, mais selvagens, mais puros naquela época. Agora, de calção e sandália, pareciam estar numa espécie de "passado" daquele presente. Algo decaiu, piorou, algo involuiu neles.
Lembrando disso, outro dia, fui atrás de velhos filmes de 8mm que meu pai rodou há 50 anos também. Queria ver o meu passado, ver se havia ali alguma chave que explicasse meu presente hoje, que prenunciasse minha identidade ou denunciasse algo que perdi, ou que o Brasil perdeu...

Em meio às imagens trêmulas, riscadas, fora de foco, vi a precariedade de minha pobre família de classe média, tentando exibir uma felicidade familiar que até existia, mas precária, constrangida; e eu ali, menino comprido feito um bambu no vento, já denotando a insegurança que até hoje me alarma. Minha crise de identidade já estava traçada. E não eram imagens de um passado bom que decaiu, como entre os índios. Era um presente atrasado, aquém de si mesmo. A mesma impressão tive ao ver o filme famoso de Orson Welles, It's All True, em que ele mostra o carnaval carioca de 1942 - únicas imagens em cores do País nessa década. Pois bem, dava para ver, nos corpinhos dançantes do carnaval sem som, uma medíocre animação carioca, com pobres baianinhas em tímidos meneios, galãs fraquinhos imitando Clark Gable, uma falta de saúde no ar, uma fragilidade indefesa e ignorante daquele povinho iludido pelos burocratas da capital. Dava para ver ali que, como no filme de minha família, estavam aquém do presente deles, que já faltava muito naquele passado.

Vendo filmes americanos dos anos 40, não sentimos falta de nada. Com suas geladeiras brancas e telefones pretos, tudo já funcionava como hoje. O "hoje" deles é apenas uma decorrência contínua daqueles anos. Mudaram as formas, o corte das roupas, mas eles, no passado, estavam à altura de sua época. A Depressão econômica tinha passado, como um grande trauma, e não aparecia como o nosso subdesenvolvimento endêmico. Para os americanos, o passado estava de acordo com sua época. Em 42, éramos carentes de alguma coisa que não percebíamos. Olhando nosso passado é que vemos como somos atrasados no presente. Nos filmes brasileiros antigos, parece que todos morreram sem conhecer seus melhores dias.

E nós, hoje, nesta infernal transição entre o atraso e uma modernização que não chega nunca? Quando o Brasil vai crescer? Quando cairão afinal os "juros" da vida? Chego a ter inveja das multidões pobres do Islã: aboliram o tempo e vivem na eternidade de seu atraso. Aqui, sem futuro, vivemos nessa ansiedade individualista medíocre, nesse narcisismo brega que nos assola na moda, no amor, no sexo, nessa fome de aparecer para existir. Nosso atraso cria a utopia de que, um dia, chegaremos a algo definitivo. Mas, ser subdesenvolvido não é "não ter futuro"; é nunca estar no presente.

2 comentários:

Amanda disse...

Fer, leia Amor é prosa e sexo é poesia, talvez vc amenize a sua má impressão dele. Eu gosto de vários textos dele, mas isso não faz dele meu idolo ou coisas do tipo, vc sabe q não tem idolos, pq as pessoas tem tantas qualidade quanto tem de defeitos, e ser fã de alguém pressupõe endossar os dois lados. Mas ainda assim me identifico com vários textos do Jabor, mesmo que ele erre a mão em alguns comentários no Jornal nacional, mas tb é o JN né?

Arqueira do Tempo disse...

Olá Amanda, beleza?

Posso até não concordar com tudo do que o Arnaldo Jabor diz, mas considerando a linha de argumentos que ele usou não nos leva a outra conclusão segundo ele mesmo aponta. Eu o acho muito tendencioso. Mas quem não é. Quem não vende o seu peixe com falácias? Sentir saudade da fotografia velha, desculpe. Talvez eu sinta, mas nem tanto. Quem dera no passado pudéssemos ter os avanços que temos hoje ao invés de ter ficado parados no tempo pensando o quanto seria melhor o futuro. Precisamos de mais produtividade e menos serenatas no meio da rua (a vida caminha pra frente, essa é a lógica!). É o pragmatismo, isso aí! Para que sentir saudade do que já foi? Será que isso justifica a repressão e as besteiras que nosso povo (e nossos governantes fizeram no passado?) Desculpe. Acho que estou sem sensibilidade alguma para tolerar essas coisas. Se formos mais a fundo no que ele aponta, daremos graças a Deus que a miséria no mundo existe para que olhemos para trás e sintamos "saudade" dos velhos tempos em que andávamos de mulinhas e carroças ao invés de carros. Essa presença bucólica faz parte, de repente, dos instantes de melancolia próprios da nossa cultura "politicamente" correta que ainda admite a escravidão disfarçada de milhares de brasileiros como uma forma de dizer: puxa, como eles trabalham, mas assim têm mais tempo, dividem o grão de arroz, como são solidários... E assim se justificam as mazelas do mundo. "Deixemos tudo como está, assim não sentiremos saudade de nada." hahahaha, que máxima mais infeliz e hipócrita!
Desculpe meu longo comentário, Amanda.
Bjim!
Lauriana.