quarta-feira, janeiro 09, 2008

Caros leitores







Texto de um dos meus cronistas favoritos, meu id masculino, sobre esse balanço de 2007. Os negritos são meus, as risadas e a concordância também.

Já comecei a implorar: alguém ai quer me contratar para escrever sobre o tudo e o nada? Ou qualquer coisa? Ou tudo? Dá na mesma... Eu quero é ser cronista.

Touché...

Caros Leitores
De João Pereira Coutinho
Folha Online


Não vale a pena fazer grandes planos para 2008. Os planos falham sempre. Experiência pessoal: consulto as páginas do meu diário e verifico, sem surpresa, que não cumpri uma única resolução para 2007. Exercício físico? Alimentação saudável? Oito horas de sono diário? Equilíbrio financeiro e bibliográfico (uma redundância, eu sei)? O meu falhanço é total. Entro em 2008 mais gordo, ligeiramente nauseado, a dormir barbaramente mal e o meu banco continua a enviar cartas que eu, por razões demasiado longas para explicar, persisto em não abrir.


O que sobra? Sobram os "pequenos passos", como se diz em linguagem terapêutica. Querer tudo é não ter nada. Melhor começar pelo início. E o início da minha lista para 2008 é igual a 2007, e a 2006, e a 2005: responder aos leitores desta Folha. Não deixar dezenas de perguntas sem resposta num email que vai transbordando por incúria minha, alienando amizades, inimizades e declarações de amor. Chega. Aqui vão as respostas a algumas das perguntas usuais, uma espécie de "Frequently Asked Questions" do cronista. Omito, por razões óbvias, os autores das ditas. Mas registo a diversidade que moveu os leitores: de livros a restaurantes, sem esquecer matérias políticas ou privadas, houve de tudo. A idéia, agora, é limpar a caixa do correio de uma vez por todas. Poderia acrescentar que, daqui em diante, a escrita estará sempre em dia. Mas isso seria prometer demais para quem normalmente cumpre de menos. Talvez em janeiro de 2009. Não façam essa cara.

*
Por que motivo você não escreve mais sobre o Brasil?
Por gentileza e ignorância.

O que você pensa dos brasileiros?
Não existem "brasileiros". Existe o José, a Maria, o Francisco, o Alfredo.

O que você pensa dos brasileiros que vivem em Portugal?
Não existem "brasileiros que vivem em Portugal". Existe o José, a Maria, o Francisco, o Alfredo. Apesar de tudo, gosto mais da Maria que do Alfredo.

Você é a favor do voto obrigatório?
Obviamente, não. A história do voto obrigatório, que existe no Brasil, sempre me fez lembrar uma passagem do "Émile", de Rousseau, em que uma mãe espartana recebe o seu zelote e lhe pergunta se os espartanos venceram a batalha. E o zelote informa: "Todos os teus filhos foram massacrados." A mãe, furiosa, responde-lhe que não foi essa a pergunta. E quando o zelote confirma a vitória militar dos espartanos, a mãe sobe ao templo para agradecer aos deuses. Rousseau comenta apenas, em tom lacônico: "Eis uma cidadã." Quando me falam em voto obrigatório, essa espécie de "fanatismo cívico", lembro sempre a mãe espartana.

Li uma crônica sua sobre Jane Austen e li "Orgulho e Preconceito". Que outros livros você aconselha?
Se você começou por "Orgulho e Preconceito", melhor ler o resto: "Sensibilidade e Bom Senso", "Mansfield Park", "Persuasão", "Emma" e "Northanger Abbey". Se gostar de todos esses, nada melhor do que descobrir escritores pouco lidos e pouco amados, que oferecem o humor sereno de Austen. Como Saki, Max Beerbohm, Jerome K. Jerome ou Anthony Trollope.
Li uma crônica sua sobre Jane Austen e assisti ao filme "Orgulho e Preconceito". Você gostou?
Gostei. Por princípio, qualquer filme com Keira Knightley vale o dinheiro (aguardo, com a ansiedade possível, "Reparação", filme do mesmo diretor de "Orgulho e Preconceito", Joe Wright, baseado no livro excelente de Ian McEwan). Mas o filme é fiel ao romance sem ser literal e creio que suplanta a série clássica da BBC com Colin Firth no papel de Darcy (sim, uma heresia para os amantes de Austen).

Quais os últimos livros que você leu?
Curiosamente, dois livros brasileiros: "Contemporâneo de Mim", de Daniel Piza, e "Lula é Minha Anta", de Diogo Mainardi. Escreverei sobre ambos nas próximas semanas (e com surpresas).
Qual o melhor livro que você leu em 2007?
Talvez "The Uncommon Reader", uma narrativa breve de Alan Bennett que li repetidamente, grato e maravilhado. É a história de como a rainha Elizabeth 2ª se torna uma leitora voraz. Surreal.

Você acha grave cometer adultério?
Depende. À luz dos Mandamentos, sem dúvida. "Não cobiçarás a mulher do próximo" parece-me um imperativo sensato, embora omisso em dizer quem é o "próximo".

Você é mesmo hipocondríaco?
Claro que não. Só não suporto a idéia de que posso estar saudável.

O que você pensa do "Big Brother"?
Pessoalmente, nada contra. Digo mais: sou entusiasticamente a favor de "reality shows" e deveria haver um canal só para eles, 24 horas por dia. É a única forma de dar celebridade a psicopatas sem que eles cometam qualquer crime para terem seus 15 minutos de fama. Os "reality shows" são verdadeiro serviço público.

Você é de direita?!?
Leitor, quando a repugnância passar, eu respondo.

Você é a favor de Israel?!?
Repetir última resposta.

Você gosta de futebol?
Gosto. Mas bem longe.

Você assistiu a "Tropa de Elite"?
Temo que não.

Você assistiu a "Cidade de Deus"?
Temo que sim.

Qual o seu filme favorito?
Qualquer um com Audrey Hepburn dentro.

Você não acha que todo o político é ladrão?
Questão secundária, creio. Existe um excesso de inveja em relação aos políticos, mas eu não invejo a vida miserável que aquela gente leva: horários espartanos, conselheiros entediantes, insultos públicos e problemas irresolúveis. Basta pensar no próximo presidente dos Estados Unidos, a eleger em novembro: Obama? Hillary? Romney? Creio que nenhum dos três (Obama é negro, Hillary é mulher, Romney é mórmon). Mas independentemente do vencedor, a herança é esmagadora para qualquer um deles: Irã, Iraque, Afeganistão, Israel-Palestina. Sem falar do fanatismo anti-americano, a única ideologia que restou para os órfãos de Moscovo. Ter que lidar com tudo isso não é vida que se inveje.

Quem você gostaria que ganhasse as eleições americanas de 2008?
Pelo que vi e li, Barack Obama. Mas é duvidoso que ganhe.

Por que você não gosta de muçulmanos?
Questão errada. Eu não gosto é de muçulmanos terroristas. Nem todos os muçulmanos são terroristas. Mas o inverso é mais difícil de sustentar.

Você é supersticioso?
Sim, tenho as minhas superstições, como qualquer pessoa racional.

Qual o melhor restaurante de Lisboa?
Pessoalmente, o velho Gambrinus, junto ao Teatro Nacional, continua a ser uma opção cara mas segura. O resto é moda, que vai e vem.

Quantos livros você tem?
Poucos. Uns dois mil, talvez. Razão simples: deito fora, todos os anos, umas centenas que compro ou me oferecem. Ao contrário do que as pessoas imaginam, a biblioteca ideal não se faz por adição. Faz-se por subtração. Meu sonho é, num dia futuro, chegar aos cem livros, duzentos livros, e não precisar de subtrair mais nenhum.

Quando você foi mais feliz?
Na infância, em dia de aulas, os meus coleguinhas na escola. E eu com gripe.

Por que você não gosta de calor?
Pelo mesmo motivo que você não gosta de frio. Felizmente, vivendo em Portugal, tenho a sorte, nem sempre apreciada pelos meus conterrâneos, de conhecer as quatro estações nas suas diferenças graduais, mas sempre temperadas. No verão faz calor, "ma non troppo" (uns 27 ou 28 graus); e no inverno faz frio, "ma non troppo" (uns 10 ou 12 graus). Outono e primavera andam pelo meio, como uma trégua gentil. É o melhor do meu país.

Alguma sugestão para um negócio de sucesso?
Livros de auto-ajuda, mas só para suicidas. Como executar o ato de forma eficaz e indolor.

Tudo que você escreve é verdade?
Tudo, exceto quando me enviam textos inéditos e me pedem opinião.

Por que motivo você escreve tanto sobre a morte?
Porque é a única forma de escrever tanto sobre a vida.

Por que você usa frases curtas?
Não sei. Talvez um certo medo. De arriscar. Nas frases longas.

O que você mais admira nas pessoas?
O sentido de humor, a suprema forma de elegância.

O que você mais admira num escritor?
O que mais admiro num escritor é a "sprezzatura". O termo pertence a Castiglione, no seu "Livro do Cortesão". É a capacidade de ocultar o talento para que tudo pareça ser feito sem esforço. Exemplo? Basta ouvir (ou ler) Noel Coward para perceber. Só provincianos ou apedeutas se impressionam com quem escreve para impressionar.

Qual o melhor escritor português?
Eça, Eça e Eça. Dos contemporâneos, dois nomes: José Cardoso Pires (morto) e Agustina Bessa-Luís (viva). Esqueçam Saramago.

Você acha Machado de Assis melhor que Eça de Queirós?
Caro leitor: escolher para quê, se é possível ler ambos?

Você leu Daniel Galera?
Li "Mãos de Cavalo" e "Até o dia em que o cão morreu". Obliquamente. Demasiado bicho para o meu gosto.

Como uma pessoa pode ser cronista?
Implorando.
Como você pode ser contra os direitos dos animais?
Porque eu ainda gosto de matar os meus mosquitos nas noites quentes de Verão.

Quais as suas cidades favoritas?
As óbvias. Londres acima das óbvias.

O que você acha dos blogs?
O mesmo que o bardo: "much ado about nothing." (muito barulho para nada)

Você já fez análise?
Durante uns tempos. Mas percebi rapidamente que a única "transferência" que havia era da minha conta bancária para a conta bancária da psicanalista.
Você é a favor da pena de morte?
Não, não sou; mas sou a favor da prisão perpétua para crimes hediondos. A pior coisa que pode acontecer a um criminoso maior é receber uma pena de vida.

Você não acha absurdo comparar a legislação anti-fumo com os nazistas (como em "Lauren Bacall, por favor")?
Acho, sim. Hitler é má comparação. Melhor comparar com um antecessor de Hitler, neste caso Lênin. Tempos atrás, li algures que o trem que levou Lênin rumo à estação Finlândia foi o primeiro trem "smoke free", por imposição do próprio. Eu já sabia que o nazismo e o comunismo eram irmãos gêmeos. Só não imaginava que pudessem ser tanto.
O que é o sucesso para você?
A melhor definição de sucesso foi oferecida por Churchill: é ir de fracasso em fracasso sem nunca perder o entusiasmo. Touché.

Por que você usa nas suas crônicas a palavra "touché"?
Nostalgia do duelo. Já tive processos por abuso de liberdade de imprensa que me fizeram perder tempo e energia. Um duelo seria mais civilizado, desde que fosse seguida a ética essencial dos duelistas: nunca convidar para a contenda alguém que não está ao nosso nível. O resto é um crime e, pior que isso, um erro (como dizia Talleyrand).

Você acredita em Deus?
Isso é uma questão entre mim e Ele.

Você acredita na eternidade?
Até prova em contrário, ainda ninguém regressou para reclamar.

Você escreveu criticamente sobre o livro de Christopher Hitchens, "God is Not Great". Mas você não acha que um ateu tem direito a ter opinião sobre Deus?
Eu acho que qualquer pessoa tem direito a ter opinião sobre qualquer coisa. Só acho estranho que um ateu se preocupe com aquilo que, para ele, não existe. Nada é mais estranho do que um ateu convicto que não acredita em Deus e abomina Deus. Eu não acredito em extraterrestres e jamais escreveria um livro a respeito.

Você não acha que a Igreja Católica deveria ter uma posição mais liberal sobre certos temas, como o aborto ou o uso do preservativo?
A pergunta é absurda porque pressupõe que a Igreja Católica deveria partilhar as opiniões do leitor. Sobre o uso do preservativo como forma de combater a AIDS, na verdade a doutrina da Igreja sobre o assunto, ao defender uma moral sexual dentro do casamento, é a única que garante a não transmissão do vírus. Pode ser irrealista para o século 21. Mas, pelo menos, é coerente.

Qual a sua canção favorita?
Depende dos dias. Mas raramente resisto ao dueto de Serge Gainsbourg com Catherine Deneuve em "Dieu fumeur de havanes", um dos momentos mais perfeitos da cultura francesa do século 20.

Que tipo de mensagens você recebe no seu email?
Ofertas de dinheiro e de Viagra.
Você pratica algum esporte
Nado. Perdão, nada.
Onde você escreve?
Na cama.
João, qual o seu primeiro nome?
José.

Qual a sua altura?
1,80m.

Você é vegetariano?
Infelizmente, não. Mas acredito na reencarnação. Quem sabe um dia, quando regressar ao mundo como grilo?

Você já esteve no Brasil?
Várias vezes. E escrevi várias vezes a respeito.

Você já esteve em São Paulo?
Ver última resposta.
Você gostaria de me conhecer? (homem)
Adoraria, mas a minha religião não o permite.

Você gostaria de me conhecer? (mulher)
Adoraria, mas qualquer resposta definitiva é absurda sem a apresentação prévia de uma foto.

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