quarta-feira, maio 30, 2007

Mandala

Mandala é círculo mágico:
Mandala é ponte para dimensões superiores;
Mandala é caminho a percorrer;
Mandala nos revela nosso Eu;
Mandala nos leva ao nosso centro;
Mandala nos leva a nossa Essência;
Mandala nos leva a Fonte Divina;
Mandala é energia e movimento;
Mandala é totalidade, integração e harmonia;
Mandala é o começo, o percorrer, o fim e o começo;
Mandala é morte e renascimento...

A Chove Chuva ...

Cecília Meireles

A chuva chove mansamente... como um sono
Que tranqüilize, pacifique, resserene...
A chuva chove mansamente... Que abandono!
A chuva é a música de um poema de Verlaine...


E vem-me o sonho de uma véspera solene,
Em certo paço, já sem data e já sem dono...
Véspera triste como a noite, que envenene ...
Num velho paço, muito longe, em terra estranha,
Com muita névoa pelos ombros da montanha...
Paço de imensos corredores espectrais,


Onde murmurem, velhos órgãos, árias mortas,
Enquanto o vento, estrepitando pelas portas,
Revira in-fólios, cancioneiros e missais...

terça-feira, maio 29, 2007

Ser chato

Caro único leitor amigo, retorno a esse site com um objetivo único. Dizer que em breve explicarei a complexidade de ser um chato.

Sim, não aperte os olhos, você leu certo amigo: a complexidade de ser chato.

Uso expressões derivadas de chato com frequência. Alguns pessoas ofendem-se. Não entendo porque, para mim ser chato é um elogio, uma filosofia de vida... É quase tão definidor quanto o ser "gauche" de Drummond.

Mas não cairei na tentação de explicar agora essa complexa filosofia de vida (quase tão complexa como a teoria da poligamia madura), mas em breve o farei, e quem sabe você não entrará para a fila dos que querem ser chatos na vida.

"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida'

Carlos Drummond

A conquista da noite

Sempre me surpreendo com as coincidências da vida. Alguns dissem que não existem coincidências, porém, prefiro não entrar nessa discussão, porque, assim, teria que discutir, se existe um Deus, um ser superior, forças do além, ou alguma ordem nesse universo caótico. Mas enfim, que há fatos que nos surpreendem por se encaixarem perfeitamente em situações, pelas quais passamos, isso há...

Único caro leitor amigo, estou eu aqui, chateando o meu tédio, lendo fírulas (imagino que essa palavra exista, se não há, cabe o neologismo), quando me deparo com esse texto do Coutinho, falando exatamente sobre insônia. Ah, a ingrata insônia.



Realmente, sempre tive esse sonho revelado de aproveitar melhor o tempo e não perdê-lo dormindo. Hoje, sei que nunca pensei em tamanha besteira semelhante a essa.



Pelo menos, agora posso preencher minha angústia insone com o caro Coutinho...



Quem não acompanha as leituras infrutíferas desse site, não devem saber. Mas aqui o repito: adoro os textos do Coutinho. Ele é quase tão chato como eu, praticamente minha alma gêmea, com melhores dons literários.



A Conquista da Noite



Defendo o sono sempre que posso. Não brinco. Não posso brincar. Sou um ex-insone e sei bem o que custa. Só insones verdadeiros valorizam o sono com o respeito que o sono merece.

Tudo começou sem explicação racional. Certo dia, o sono foi embora. Contemplei o tecto do quarto durante uma noite inteira. Vieram mais duas. À terceira, a minha vontade era morrer. O problema da insónia não está propriamente na noite. A noite é simples: a escuridão é amiga dos olhos, o silêncio é uma canção de embalar para uma cabeça cansada. O problema do insone são os dias: o terror do dia que chega, a luz que vai furando as persianas do quarto como balas de ouro que trazem consigo o ruído do mundo. Carros. Sirenes de polícia. Vozes. Conversas. Telefones que tocam.

Telefones que imaginamos tocar. E a certeza - a longa certeza - de que a noite chegará. E, com a noite, a evidência de uma nova cruzada. Uma solitária cruzada. Não existe solidão comparável à do insone. Na vida normal, conhecemos pessoas, perdemos pessoas. Ficamos sós. Tudo bem. Ou tudo mal. Mas a solidão do insone é uma solidão desabitada de pessoas. Somos nós e nós e nós. O mundo dorme e nós somos sós.

Disse que tudo começou sem explicação racional. Minto. Lembro agora que a insónia veio com o medo. Da morte, claro. Não sei se li demasiado Shakespeare para saber que os crimes, como em 'Macbeth', se cometem à noite. Adormecer para quê se o sono só traz esquecimento? Se o sono é um simulacro da morte? Melhor não dormir. Melhor não morrer. O caso é cientificamente interessante - disse o analista. O caso é mitologicamente relevante - diz Peter Barber, em artigo recente para o 'Financial Times'. Como relembra o autor, os filhos de Nyx, a deusa grega da noite, eram Hypnos e Thanatos. O Sono e a Morte. Só depois chegou Morfeu, o deus dos sonhos, o filho do Sono.

Não mais. Conta Peter Barber, em tom cético mas ligeiramente festivo, que o sono e os sonhos podem ser relíquias no espaço de dez anos. A ciência não pára. O mundo também não. E uma pílula pode resolver o problema dos homens. Dos homens que dormem. E dos homens que não dormem. A ideia é mimetizar quimicamente o sono, proporcionando o que apenas obtemos com oito ou dez horas de travesseiro: descanso.

Esqueçam o travesseiro. Para quê gastar um terço da vida a dormir quando é possível furar os dias, e as noites, perfeitamente acordados? Será, como dizem os cientistas, a 'conquista da noite', a barreira última do desenvolvimento pós-industrial. Os nossos antepassados regulavam a vida, e o sono, pelo ritmo natural da luz natural. Deitavam-se com a noite, acordavam com a madrugada. Esse mundo passou quando a lâmpada de Edison lançou uma maldição sobre os homens, criando um sol privado em cada habitação. O desafio, agora, é criar um sol privado no interior de cada um. Dormir para quê se é sempre dia dentro de nós?

Dias para trabalhar, explica Barber, porque as novas vigílias não se farão sem trabalho. A lógica é impoluta: viver mais é consumir mais; consumir mais é trabalhar mais. Nenhuma pausa, nenhum silêncio. Como formigas sem inverno. Como formigas de um verão permanente.

Mas não só. O fim do sono não será apenas um convite para uma vida de servidão. Será também o enterro da nossa humanidade mais literal. Disse no início que a minha insónia começou sem explicação racional. Mas eu sei como terminou. A indústria farmacêutica teve uma palavra no processo. O divã também. Mas a palavra decisiva foi a minha. A palavra decisiva é sempre a nossa. Chegou um momento - consciente, inconsciente - em que a insónia foi enxotada do quarto como se o medo fosse um animal feroz e sem rosto. O animal afastou-se. Só então o sono regressou. Verdade que não regressou sozinho. Com ele, regressou a morte. Uma vez mais.

Recebi-a como se recebem os velhos amigos: com confiança e sem temor. E ao cerrar os olhos como se fosse a primeira vez, entendi finalmente que o sono da nossa vida é, como na morte, uma suspensão da própria vida. Mas uma suspensão benigna, temporária e necessária, capaz de nos relembrar, como no amor, que a força da nossa humanidade também repousa nos momentos em que somos inocentes e vulneráveis.

João Pereira Coutinho, 30, é colunista da Folha de S.Paulo. Reuniu seus artigos no livro "Vida Independente: 1998-2003", editado em Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para a Folha Online.

sexta-feira, maio 25, 2007

O amor que nos aparta


O amor que nos aparta A mulher quer o amor romântico. O homem, não, ela diz. A mulher quer construir. O homem, usufruir, ela diz.

A mulher quer somar. O homem, conformar, diz também.Na desigualdade das nossas semelhanças, nos apartamos no ímpeto da aproximação. Relações chegam, duram tanto ou quanto, vão-se, deixando para trás o rastro da equação não resolvida: o que deveria ter sido feito?

Não, não é provocação, mas veja só este personagem, até então ligeiramente amoral, do livro "O Animal Agonizante", de Philip Roth sobre essa digamos assim divergência de pontos de vista: "A grande peça que a biologia prega nas pessoas é que a gente já é íntima antes mesmo de saber coisa alguma a respeito da outra pessoa. No primeiro momento, já entendemos tudo. Um é atraído pela superfície do outro no início, mas também intui a dimensão mais profunda. E a atração não precisa ser equivalente: ela se sente atraída por uma coisa, você por outra. É a superfície, é curiosidade, mas então, pum!, a dimensão profunda. É bom ela ser (...) isso, é bom ela ser aquilo, é bom eu saber tocar piano e ter um manuscrito do Kafka, mas tudo isso não passa de um desvio do caminho que vamos acabar seguindo.

Faz parte do encantamento, imagino; porém, se essa parte não fosse necessária, eu gostaria muito mais. Em matéria de encantamento, o sexo por si só já basta. Será que os homens acham as mulheres tão encantadoras quando o sexo é omitido. Será que alguém, qualquer que seja o sexo, acha alguém encantador se não houver nada sexual entre eles? Tem alguém que encanta você sem ser por isso? Não tem."

Divergência de pontos de vista é piada: trata-se aqui de incompatibilidade irreconciliável, certo moça?

Imagine, sexo basta!

E o amor, que a tudo supera e tudo resolve desde que tenha espaço para simplesmente ser, em sua magnitude e em seu encantamento que tudo supre e tudo acondiciona?

Sei, sei...E os monstros, onde enfiar os monstrinhos que nos tornam cada um a caverna escura de si mesmo, na eterna busca pela luzinha lá no final?

Erro imaginar que esse sentimento que se projeta no outro ou naquilo que nasce do contato com o outro pode encerrar toda a possibilidade incontestável der ser feliz, bem feliz.

Somos bem piores que isso...



Luiz Caversan, 50, é jornalista. Foi repórter especial, diretor da Sucursal do Rio da Folha e editor do caderno TV Folha. Escreve crônicas sobre cultura, política e comportamento aos sábados para a Folha Online.