sexta-feira, maio 25, 2007

O amor que nos aparta


O amor que nos aparta A mulher quer o amor romântico. O homem, não, ela diz. A mulher quer construir. O homem, usufruir, ela diz.

A mulher quer somar. O homem, conformar, diz também.Na desigualdade das nossas semelhanças, nos apartamos no ímpeto da aproximação. Relações chegam, duram tanto ou quanto, vão-se, deixando para trás o rastro da equação não resolvida: o que deveria ter sido feito?

Não, não é provocação, mas veja só este personagem, até então ligeiramente amoral, do livro "O Animal Agonizante", de Philip Roth sobre essa digamos assim divergência de pontos de vista: "A grande peça que a biologia prega nas pessoas é que a gente já é íntima antes mesmo de saber coisa alguma a respeito da outra pessoa. No primeiro momento, já entendemos tudo. Um é atraído pela superfície do outro no início, mas também intui a dimensão mais profunda. E a atração não precisa ser equivalente: ela se sente atraída por uma coisa, você por outra. É a superfície, é curiosidade, mas então, pum!, a dimensão profunda. É bom ela ser (...) isso, é bom ela ser aquilo, é bom eu saber tocar piano e ter um manuscrito do Kafka, mas tudo isso não passa de um desvio do caminho que vamos acabar seguindo.

Faz parte do encantamento, imagino; porém, se essa parte não fosse necessária, eu gostaria muito mais. Em matéria de encantamento, o sexo por si só já basta. Será que os homens acham as mulheres tão encantadoras quando o sexo é omitido. Será que alguém, qualquer que seja o sexo, acha alguém encantador se não houver nada sexual entre eles? Tem alguém que encanta você sem ser por isso? Não tem."

Divergência de pontos de vista é piada: trata-se aqui de incompatibilidade irreconciliável, certo moça?

Imagine, sexo basta!

E o amor, que a tudo supera e tudo resolve desde que tenha espaço para simplesmente ser, em sua magnitude e em seu encantamento que tudo supre e tudo acondiciona?

Sei, sei...E os monstros, onde enfiar os monstrinhos que nos tornam cada um a caverna escura de si mesmo, na eterna busca pela luzinha lá no final?

Erro imaginar que esse sentimento que se projeta no outro ou naquilo que nasce do contato com o outro pode encerrar toda a possibilidade incontestável der ser feliz, bem feliz.

Somos bem piores que isso...



Luiz Caversan, 50, é jornalista. Foi repórter especial, diretor da Sucursal do Rio da Folha e editor do caderno TV Folha. Escreve crônicas sobre cultura, política e comportamento aos sábados para a Folha Online.

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