da Folha Online
Todas as manhãs eu o via. Era por volta de 1992, 1993, eu morava na zona sul do Rio e trabalhava no centro, na avenida Presidente Vargas. Não me lembro bem qual era o caminho que pegava, mas o certo é que aquela figurinha magra, mirrada mesmo, chamava a atenção na paisagem cinza dos viadutos e avenidas centrais, com sua bata branca, branquíssima, tão alva quanto suas longas barbas.
Carregava uma placa escrita em preto, verde e amarelo, com dizeres que em nada combinavam com o trânsito ou com o corre-corre das pessoas, a maioria delas ignorando-o solenemente.
Eu não conseguia ignorá-lo, intrigava aquela figura que pregava gentileza na plaqueta singela e também nos grafites que pespegava nos muros da redondeza, bem como nas colunas dos viadutos.
Era o Profeta Gentileza, um desses homens, maluco para muitos, mas que para mim são aqueles seres que simplesmente resolvem ir, deixar para trás tudo, seja lá o que for, e simplesmente ir.
No caso dele, foi em direção a uma atitude de vida absolutamente pacifista e de sã insensatez, branca como sua barba e sua bata: gentileza gera gentileza.
Ele talvez nunca tenha lido nada referente a budismo, cujos preceitos contemplam esta assertiva. E provavelmente não estivesse nem aí se todo aquele povaréu que passava apressado levava a sério ou na chacota a sua mensagem --passada a ele sabe-se lá por quem ou por qual desígnios.
Mas o Profeta Gentileza era e tornou-se cada vez mais uma figura daquelas carimbadas, referência naquele centro do Rio, virou personagem de reportagens, deu entrevistas nas quais tentava explicar inexplicavelmente seus dogmas, até que morreu não sei ao certo quando.
Outro dia, passando naquela área do Rio próximo à rodoviária, zona portuária deteriorada como o quê, lá estavam os escritos do Profeta, preservados por outros malucos na pilastra do viaduto.
Fiquei feliz com aquilo, havia portanto mais gente interessada na simplicidade do que o homem dizia, e que pode ser no fundo uma grande verdade: gentileza gera gentileza...
Por que não?
Eis que, mais recentemente, andando pelos orkuts da vida, entro na página de uma amiga e o que encontro por lá? A reprodução da mensagem do Gentileza, tal e qual ele carregava em sua placa profética.
Daí a querer transformar o dito espirituoso que me conquistou para sempre em mensagem de fim de ano foi um passo.
Portanto, aí está: gentileza gera gentileza.
Que este seja o mote para 2008!
Até janeiro...
Luiz Caversan, 52, é jornalista, produtor cultural e consultor na área de comunicação corporativa. Foi repórter especial, diretor da sucursal do Rio da Folha, editor dos cadernos Cotidiano, Ilustrada e Dinheiro, entre outros. Escreve para a Folha Online.
Fiquem com a música da Marisa Monte sobre o Profeta Gentileza:
Gentileza
"Apagaram tudo
Pintaram tudo de cinza
Só ficou no muro
Tristeza e tinta fresca
Nós que passamos apressados
Pelas ruas da cidade
Merecemos ler as letras
E as palavras de Gentileza
Por isso eu perguntoÀ você no mundo
Se é mais inteligente
O livro ou a sabedoria
O mundo é uma escola
A vida é o circo
Amor palavra que liberta
Já dizia o Profeta"
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