quinta-feira, julho 23, 2009

Budapeste era amarela

Quando criança, fascinava-me o mundo das letras. Lia compulsivamente como que em um processo de autofagia. Devorava livros como se consumisse a mim mesma.

Passava noites em claro a devorar livros e mais livros. Lia passagens, sublinhava, escrevia sobre a emoção que em mim afloravam, marcava a última página lida e fechava a obra. Levantava-me, tentava sair, fazer outra coisa ou simplesmente dormir. No entanto, como que um imã, aquelas histórias me atraiam de forma irresistível. Elas, ainda, não me pertenciam, e eu não poderia esperar para possuí-las.

Sim, caro único leitor amigo, possuí-las. Porque depois de conhecê-las, elas me pertenciam. Passava a ser coadjuvante em histórias que ocorriam em todos os lugares do mundo, caminhava por diferentes cidades como nativa, falava línguas que nunca aprendi e seus personagens passariam a compor minha vida.

Conheci tantas ruas antes mesmo de pisá-las. Vivi paixões que nunca insuflariam meu coração. Mas não posso negar que amei cada personagem.

Esse vício que me alimentava, também, consumia-me. Por vezes, dividia-o com a paixão pelo cinema. Sonhava em traduzir as letras em imagens e sons. Desejei ser cineasta antes de querer ser mulher.

No entanto, alguma magia perdeu-se ao longo dos últimos anos, e poucas letras conseguiam afetar-me como aquelas de minha infância.

Contudo, esses dias tornei-me José Costa, um homem de meia idade apaixonado por húngaro e perdido em uma Budapeste amarela, e não cinzenta como pensava que fosse.

domingo, julho 19, 2009

Férias

Caro único leitor amigo, estou de férias.

Queria não entrar de férias do blog, já que não farei nada especial esses dias. Mas já prevejo que estou me enganando, veredito: não terei muitos posts.

Falta de tempo? Não.

Muitos agitos? Tampouco.

Então por que me vejo sem escrever esses dias? Falta de assunto.

Tentarei a avançar na literatura de férias, assim pelo menos terei um tópico: "Budapeste", de Chico Buarque.




sexta-feira, julho 10, 2009

Simplesmente eu, Clarice Lispector

Ontem tive a grata oportunidade de assistir o monólogo, "Simplesmente eu, Clarice Lispector", protagonizado por Beth Goulart.

A montagem é uma mistura genial da densidade própria dos textos da autora, representada por suas personagens femininas, com episódios que mostraram a personalidade e vida de Clarice.

A peça não perde o ritmo, oscilando entre os dramas das personagens e da própria escritora, misturadas a passagens irônicas, que chegam a flertar com o humor.

Beth Gourlat, que além da similaridade física, consegue representar a intensidade dessa incrível artista e intrigante mulher.

Destaco uma das passagens que mais me tocou:

“eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele.” Clarice Lispector - Perdoando Deus

Escrever como vocação

"Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador. Escrever sempre me foi difícil, embora tivesse partido do que se chama vocação. Vocação é diferente de talento. Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir...Enquanto eu tiver perguntas e não houver respostas, continuarei a escrever." Clarice Lispector - Paixão segundo G.H.

Como não concordar, quando escrevo não porque tenha talento, mas porque a vocação me chama.
Escrevo porque há dentro de mim uma ansiedade incontrolável, que só quando palavras são formadas consigo domá-la.
Escrevo porque quando escrevo entendo um pouco mais de mim mesma, na pretensão de entender uma parcela ínfima desse mundo.

quarta-feira, julho 08, 2009

Hoje é meu aniversário

Hoje é meu aniversário e não tem bolo.
Hoje é meu aniversário e não tem festa.
Hoje é meu aniversário e não estou feliz.
Hoje é meu aniversário e ninguém vai me dar um beijo na boca.
Hoje é meu aniversário e não há ninguém que eu queira que me beije.
Hoje é meu aniversário e não vou comemorar.
Hoje é meu aniversário e nada mudou na história porque nasci.
Hoje é meu aniversário e sinto falta de muita gente.
Enfim, hoje é meu aniversário.

domingo, julho 05, 2009

Detalhes

Com a comemoração dos 50 anos de carreira, Roberto Carlos voltou a ser febre nacional, disputando espaço na mídia com a morte de Michael Jackson.

Sempre nutri aquela antipatia natural do jovem que repudia o velho por hábito mais do que por avaliação real.

Hoje, gosto de suas letras, não de sua voz, e me toquei ao ouvir algumas de suas músicas.

Identifiquei-me com a letra abaixo, pois os últimos acontecimentos me fizeram saber de ter sido a melhor coisa na vida de alguém, e que mesmo o tempo passando, ele ainda vai lembrar de mim.

Contudo, já percebo que a longa estrada do tempo transforma um grande amor, mesmo que não seja, ainda, em quase nada.


"Durante muito tempo
Em sua vida
Eu vou viver...

Detalhes tão pequenos
De nós dois
São coisas muito grandes
Prá esquecer
E a toda hora vão
Estar presentes
Você vai ver...

Eu sei que esses detalhes
Vão sumir na longa estrada
Do tempo que transforma
Todo amor em quase nada
Mas "quase"
Também é mais um detalhe
Um grande amor
Não vai morrer assim
Por isso
De vez em quando você vai
Vai lembrar de mim..."

Detalhes - Roberto Carlos

O drama anual

Aniversário chegando. Melancólia permanecendo. Lembrança voltando. Esperança apontando...

Terei que admitir para você, caro único leitor amigo , que nunca houve empolgação com aniversários.

Lembro-me bem do meu aniversário de 7 anos e do forte desejo de dormir no dia anterior a data e acordar somente no dia seguinte, assim pularia o fato. No entanto, naquele ano pelo menos havia bolo de chocolate.

Esse ano tentei reagendar o dia, mas precisamente o ano: 2012 estaria mais adequado.

Farei figa até quarta, quem sabe o universo concorda que não preciso de aniversário esse ano.

Já sei bem que o tempo passou, muita coisa mudou, e outras retrocederam.

quinta-feira, julho 02, 2009

Terras do Nunca

Resisti até o último segundo a postar algo sobre a morte de Michael Jackson. Na minha opinião MJ como artista viveu nos anos 80, suspirou em 1995 com a passagem pelo pelourinho para gravar o "They don't care about us" e morreu como artista, já que não agregou nada de interesse depois.

Então, a agonia dos últimos anos foi do ser humano, que fisicamente nem parecia mais um homo sapiens sapiens, e psicologicamente foi degradado por sua própria loucura e ego.

Mas não posso negar minha admiração por álbuns como Thriller ou Dangerous, tanto que o relançamento "Thriller - 25 anos" foi um dos poucos momentos de grande empolgação com um cd em 2008.

No entanto, hoje quando li a coluna do Coutinho na Folha não resisti o copiar e colar.

Terras do Nunca

João Pereira Coutinho, de Lisboa


Pobre Michael Jackson. O homem morre como todos morremos. Radicalmente só. Com o coração a despedir-se prosaicamente do corpo. O mundo, em choro e transe, não acredita. Um mito não morre assim. Porque assim morremos nós, anônimos e mortais, mergulhados na nossa própria miséria. Os mitos só morrem por acidente ou conspiração invejosa de terceiros, que não aguentam o brilho incandescente da estrela.

John Kennedy não foi abatido pelo fracassado Lee Oswald numa manhã funesta de Dallas. Kennedy foi assassinado pela CIA, pelos cubanos, pelos soviéticos, pela máfia, eventualmente pelos extraterrestres.

O mesmo para a "Princesa do Povo", Diana Spencer. Uma vítima de um motorista alcoolizado e irresponsável numa noite de Paris? Não, mil vezes não. Diana foi vítima da Família Real inglesa, que a desprezava para lá do tolerável. Para dar mais requinte ao episódio, há quem garanta que Diana estava grávida. A autópsia não confirmou. Mas quem se prende a pormenores? Eu, por mim, aposto que eram gêmeos.

E, agora, Michael Jackson: ele não morreu por excessos vários e loucuras evidentes. Foi o médico; foi a empregada; foi o Rato Mickey quem acabou com o cantor.

Deixemos as teorias da conspiração para as mentes conspiratórias. No meio do sentimentalismo vulgar, e quase religioso, com que o planeta chora a morte de Jackson, a única declaração vagamente sensata foi dita pelo próprio presidente americano. E que nos disse Obama?

Para começar, que Jackson foi um músico de talento. Difícil discordar, embora o Jackson que eu aprecio morreu no dia em que nasceu o Jackson que grande parte do mundo aprecia, ou seja, em 1979 com "Off the Wall". O single prodigioso que os Jackson Five editaram dez anos antes, "I Want You Back", é incomparável com qualquer obra posterior. Opinião pessoal. Do Michael Jackson a solo, admiro apenas o bailarino. Brinco? Não brinco. Fred Astaire também não brincava quando dizia, na década de 80, que Jackson nascera demasiado tarde. Tivesse ele vivido nos anos 30 ou 40 e teria feito as delícias de Busby Berkeley ou Vincent Minelli. Quem aprecia musicais sabe do que falo.

Mas Obama não elogiou apenas o talento. Obama foi corajoso e lamentou a figura profundamente trágica de Michael Jackson. Nos próximos anos, saberemos mais sobre essa tragédia. Mas aposto que a origem dela está num homem que, para usar as palavras de um francês célebre, alimentou uma "náusea-de-si-próprio" ao longo da vida: uma náusea da sua própria negritude e, talvez mais importante, uma náusea da sua própria humanidade, por definição mutável e perecível. Não admira que, ano após ano, ele tenha tentado golpear essa humanidade, perseguindo um ideal estético que era, aos olhos do mundo, caricatural e infantil. E, aos olhos dele, eterno e pós-humano.

Disse anteriormente, citando Fred Astaire, que Michael Jackson não viveu nas décadas de 30 e 40 para inscrever o seu nome na tradição dos grandes musicais. Mas é possível recuar mais um pouco e lamentar que Jackson não tenha nascido e vivido em finais do século 19, inícios do 20. E que não tenha conhecido uma alma gêmea como J.M. Barrie, o escritor para quem a infância era, simultaneamente, o melhor e o pior dos mundos. O melhor, pelo encantamento permanente que lemos em "Peter Pan" ou no injustamente esquecido "The Little White Bird". Mas também o pior dos mundos, porque capaz de antecipar a corrupção futura: a maturidade, o envelhecimento, a perda da inocência.

Não sei se Jackson leu Barrie. Provavelmente. Mas sei que lhe roubou o nome para o seu rancho, "Neverland", essa "Terra do Nunca" onde os rapazes não crescem. Tivesse Michael Jackson lido "Peter Pan" com atenção e saberia que, mesmo na "Terra do Nunca", os rapazes não crescem mas também morrem.

Nobel recomenda paixão a vida

Na Alemanha, o suíço Richard Ernst, ganhador do nobel de química em 1991, durante uma palestra – intitulada “Paixões e Atividades além da Ciência” – a 580 jovens pesquisadores, inclusive brasileiros, aconselhou que: “Não se transformem em ‘nerds’ unilaterais. Não se esqueçam de suas paixões”.

Essa realmente é uma boa sugestão. Acho que para produzir qualquer coisa na vida, há de se ter paixão pelo que faz, especialmente, em viver a vida. Não há como isolar-se ou abster-se da tão rica interação social.

Talvez a inclinação budista do químico, me fez mais próxima de suas percepções da realidade.