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sexta-feira, maio 29, 2009

Saudade já tem nome de mulher

Em Brasília, pela forte presença nordestina, temos um mês de junho com muita festa junina, forró, canjica e quentão, além do frio e da seca.

Esse período foi inaugurado com show da Elba Ramalho num evento cultural diferente. Um açougue anualmente produz um grande show e durante o ano diversas atividades, desde bibliotecas nas paradas de ônibus como incentivo às bandas locais.

Logo foi uma atividade cultural bem diferente para a ilha da fantasia. Já que acontece na rua, entranda franca e, principalmente, porque permite a inclusão.

Contudo, o que mais me chamou a atenção foi essa frase de uma música bastante conhecida que Elba cantou: "saudade já tem nome de mulher".

Nunca havia pensando como muitos substantivos abstratos são femininos, como saudade, tristeza e dor. Provavelmente, porque por milênios carregamos a parte mais pesada do calvário.

Para nosso consolo contribuimos, também, com a beleza, a esperança e a paixão.

Porém, eles nos deram o amor, que para mim devia ser um substantivo coletivo, já que não há amor que brote sem que haja pelo menos dois.

quinta-feira, abril 23, 2009

Brasília

Brasília de adolescente imprudente passou a uma jovem senhora. Carrega na leveza de seu céu azul a certeza que amadureceu nesses 49 anos.

Perdeu parte de sua ingenuidade, mas não seus sonhos. Sonho de um futuro que chegaria.

Seus traços arquitetônicos convenceram que o modernismo chegou.

Em seu ventre gerou filhos de todas as raças, origens e sotaques.
Gerou mais que isso: recriou no plano central uma microesfera da sociedade desigual e classista que é o Brasil.

Contudo, não há nada que impeça que eu perca o fôlego e pense: “Meus deus, que cidade linda”.

De fato “ergueram o espanto inexplicado”.
O tempo discordou de Clarice: Brasília tem o homem de Brasília.
Alias, sua riqueza real é a sua gente. Povo trabalhador , desconfiado, tímido, excessivamente preocupado com a privacidade, que não sabe se cumprimenta, mas que quer saber da vida alheia.
Sou filha desse ventre, mas às vezes me revolto com sua criação superprotera.
Nós brasilienses queremos deixar o lar, mudar tudo: ter praia, gente mais aberta, mais opção de diversão, realidade social real.
Só que não é a mãe superprotetora que não nos deixa ir, ela nos criou para o mundo, somos nós que percebemos que temos um mundo em nosso lar.
Vamos para qualquer lugar, mas esse lugar não sai de nós.


“Brasília é construída na linha do horizonte. Brasília é artificial. Tão artificial como devia ter sido o mundo quando foi criado. Quando o mundo foi criado, foi preciso criar um homem especialmente para aquele mundo. Nós somos todos deformados pela adaptação à liberdade de Deus. Não sabemos como seríamos se tivéssemos sido criados em primeiro lugar e depois o mundo deformado às nossas necessidades. Brasília ainda não tem o homem de Brasília. Se eu dissesse que Brasília é bonita veriam imediatamente que gostei da cidade. Mas se digo que Brasília é a imagem de minha insônia vêem nisso uma acusação. Mas a minha insônia não é bonita nem feia, minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto. É o ponto e vírgula. Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil: eles ergueram o espanto inexplicado. A criação não é uma compreensão, é um novo mistério." Clarice Lispector.

quarta-feira, junho 08, 2005

Brasília não tem esquina?

Carol Nogueira

Nunca concordei muito com essa história de que Brasília não tem esquina. Olho para o Beirute e o Libanus e me pergunto sempre o que diabo que as esquinas têm e eles não. Será só por que as nossas ruas não tem nome de gente?, mas que discriminação danada!
RobertoDaMatteando um pouco, desconfio seriamente que quando o resto do Brasil fala da nossa carência de esquinas não está falando só do encontro de duas ruas, a Ipiranga com a São João, a Prudente com a imprudente de Moraes. Existe aí todo um sentido escondido: do barzinho que despeja suas cadeiras displicentemente nas calçadas, da padaria que junta gente para o café da manhã e a pinga da tarde, da lotérica que forma fila de esperançosos e pagadores de contas. A “esquina” de que nos privam é tudo isso numa palavrinha de sete letras.

Então quando repetem, assim, que Brasília não tem esquina, querem dizer mesmo é que nos falta essa espontaneidade toda, essa naturalidade. Estão nos acusando de burocráticos e de frios. Dizem que não estamos nas ruas, mas nas repartições, nos escritórios. Pelas costas, cochicham que não gostamos do povo, que somos da turma do ar-condicionado. Prova maior é que outro ainda mais eufêmico disse que nossas esquinas são nossos shopping-centers. À vera, querem dizer que somos elitistas, encastelados, preconceituosos.

Por isso mesmo é que sou contra esse clichê que nos persegue, mais esse, de que Brasília não tem esquinas. Temos uma lista bem maior que essa do primeiro parágrafo de bares que chegaram às nossas calçadas, às árvores, à beira dos prédios residenciais, num desafio respeitoso ao nosso planejamento. Temos lojinhas fofas, gente na rua, bancos, mercados, empresas. Crianças nas bancas de revistas, escolas, confeitarias elegantes que reúnem nossa muito bem vivida terceira-idade.

Não dá trabalho perceber: espia a cidade e repara nas esquinas que se formam a cada par de quadras residenciais. Temos esquinas, sim, senhor – só que aqui elas atendem pelo simpático nome de entrequadras.

Carol Nogueira é jornalista, brasiliense convicta e está pasma de ver que até no Houaiss existe uma referência ao nosso suposto desesquinamento. Ela escreve a coluna grande-circular quinzenalmente no Canal Brasília do www.candango.com.br .

sexta-feira, junho 03, 2005

Brasília: tú es divina e graciosa ...

Olá caro único leitor amigo, depois da polêmica quanto andar a pé em Brasília. Por sinal, agradeço a participação dos leitores amigos brasilienses de coração, por opção e por obrigação. Gostaria de expressar que concordo plenamente da dificuldade de locomoção em Brasília, o transporte público é uma piada, tudo é longe, tem muito barro sim em algumas partes da cidade. Mas o que não impede que seja uma cidade adorável em seu clima bucólico e por vezes árido.

A minha sugestão é convida-los a sair para andar pela cidade sem o compromisso do relógio, do objetivo final, andar pela cidade sem rumo certo, não como um meio a chegar a algum lugar, mas como fim em si mesmo.

Algo estranho? Algumas vezes sim, já que temos uma vida tão martirizada pelo relógio e aprisionada pelos compromissos e metas a alcançar. É por isso que vagar um pouco pela cidade, pode proporcionar o encontro, não só de lojinhas, restaurantes, cafés, entre outras coisas interessantes, mas também de um tempo de relaxamento, de reflexão e para si próprio.

Amanda Menezes é uma quase bacharel, brasiliense de nascimento e coração, e acredita que Brasília já não é mais uma jovem impulsiva, mas ainda guarda em si a crença no futuro que só os jovens de alma possuem
.

Para adicionar a minha nova série de textos sobre Brasília, vou postar esta crônica do Alexandre Garcia sobre a cidade, a qual ele escreveu para a comemoração de 45 anos de Brasília.

Brasília
Alexandre Garcia

A maior parte das notícias de Brasília que chegam aos estados saem desses prédios bem-desenhados de Niemeyer.

Isso faz o Brasil imaginar que Brasília é só a Esplanada dos Ministérios ou a Praça dos Três Poderes, que reúne o Supremo Tribunal, o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Muitos ainda podem pensar que o coração de Brasília pulsa no Palácio Alvorada, a residência oficial do presidente.

Talvez fosse assim há uns 25 anos. Hoje, não é mais. Feita para 500 mil habitantes, Brasília tem 2,5 milhões. E tem tanto carro que seriam suficientes para transportar a população inteira, sem ninguém precisar de ônibus. Não é a campeã do funcionário público. Perde feio para o Rio, para São Paulo, para Minas. E nem é responsável pelos políticos que aqui estão. Nos ministérios, apenas um é de Brasília, e na Câmara e Senado, apenas 11.

E o coração de Brasília pulsa em vários pontos do Distrito Federal. as cidades satélites deixaram de ser satélites para ter também vida própria. O conjunto urbano de Taguatinga e Ceilândia está entre as 10 maiores cidades brasileiras em população. Uma das mais novas cidades do Distrito Federal, Samambaia, formou um aglomerado urbano que se perde no horizonte. Tem até uma cidade serrana, Sobradinho, a mais de 1,2 mil metros de altitude, onde se sentem as mais baixas temperaturas do DF. Feita para abrigar a burocracia, o papel já não é o maior produto da capital. Lá, se cria gado, se exporta soja e frango; há grande produção de leite, ovos, e até auto-suficiência em legumes.

Brasília reuniu, ao longo das décadas, todos os sotaques, todas as comidas, todos os folclores, todas as músicas, todos os rincões. Para os que chegam, Brasília enfeitiça com uma fórmula que tem céu, sol, brisa o ano inteiro e um horizonte a provar que a terra é redonda. O sol, que todas as manhãs espia majestoso sobre o lago Paranoá e depois de reger o melhor clima do Brasil (segundo os brasilienses), todas as tardes exibe um espetáculo diferente.

Mar? Sim, Brasília tem o lago Paranoá, que envolve a cidade com um abraço úmido, suavizando o ar de altitude. Nos fins-de-semana, o povo vai à praia e a terceira frota de barcos de recreio do Brasil levanta âncoras e iça velas, para singrar águas cristalinas que no passado foram poluídas. Às margens, o aprazível Pontão, onde a juventude passa as tardes; ou restaurantes charmosos, modernos, ou rústicos, que servem comidas deliciosas. Foi-se o tempo em que Brasília tinha poucos restaurantes. Hoje, são muitos, premiados e estão sempre cheios. Aliás, Brasília tem público para tudo.

A festa máxima se realiza agora, na Granja do Torto: a feira agropecuária, que mostra a pujança da roça, no DF, e o gosto sertanejo da capital que fica no interiorzão do Brasil. O povo de lá é eminentemente gregário. É só lenda a história da cidade fria, sem esquinas. Esquina? O que é isso? Lá, as pessoas se encontram em lugares especiais. No Gilberto Salomão, no Conjunto Nacional, no Parkshopping, no Pistão Sul, só para citar alguns pontos. Ou nas feiras: no Paraguai, do Guará, a mais famosa delas, ou na feirinha do Lago Norte, que reúne todos os cardápios do Brasil e do mundo. Ir a São Paulo para comprar em butiques? Para quê? Brasília tem todas as grifes, todos os luxos.

E nem tudo é palácio, mesmo. Brasília tem favela, tem miséria, tem assalto, é campeã de seqüestro relâmpago, tem péssimas pistas de péssimo asfalto, tem carro demais e congestionamentos que pioram a cada dia. Talvez essas mazelas sejam a prova mais sofrida de que Brasília já não é uma cidade diferente das outras.

quinta-feira, junho 02, 2005

Em Brasília a pé

Ontem conversava com um amigo de como as pessoas não andam a pé em Brasília. De repente hoje descobri este texto e resolvi posta-lo. Este será o primeiro de uma série de textos sobre Brasília.

Amanda Menezes é estudante, brasiliense convicta e acha que quem não gosta de Brasília é porque não a conhece, não compreende sua alma ou as duas coisas juntas. Ela escreve (mais copia e cola textos alheios que os escreve) quase que diariamente no Sobre o Tudo e o Nada.

A pé
Carol Nogueira

Eu sei que a escala monumental do Lúcio Costa não ajuda, mas vou fazer aqui uma proposta: vamos caminhar mais por Brasília. É, é de andar a pé mesmo que eu estou falando – esquece o carro, dispensa o ônibus e, pelo menos de vez em quando, calça os tênis e vai dar uma boa caminhada.

Com a desculpa da lonjura das coisas, o povo daqui se acomodou demais nessa história de só andar de carro. Às vezes, até pra ir na padaria, na farmácia, ali mesmo na quadra, a pessoa quer ir dirigindo. Vou te contar que a maior parte dos urbanistas que estudam Brasília concordam que é o trânsito – e não a ocupação desordenada, e não o desmatamento – o maior fator de risco para a cidade no futuro. Eles acham que Brasília pode estar se encaminhando pra ficar inviável, com uma péssima qualidade de vida. Sabe que a gente tem 800 mil carros (quase um para cada duas pessoas) e que esse número cresce 10% ao ano? Impressionante, né?

Tá, mas não é de nada disso que eu queria falar. Meu ponto aqui não é (só) tentar salvar a cidade dos engarrafamentos monstruosos. É que andar a pé por Brasília pode ser ótimo mesmo, porque você descobre um milhão de coisas novas. Gente nova, lugares novos pra comer, pra se divertir, pra comprar. E é na rua que você vê a cidade viva de verdade!

Olha só o Setor Sudoeste: aquela avenidona que tem ali é simplesmente perfeita pra uma caminhada. Capaz que cada vez que eu saia por ali eu encontre uma boa novidade, sem exagero. Minhas últimas descobertas são uma loja de decoração na SQSW 101 que é muito fofa e que vende artiguinhos da Banca de Camisetas; um rodízio de pizza a lenha no subsolo da mesma quadra, que custa R$ 11,50 por pessoa e tem umas pizzas doces com sorvete e calda que são imperdíveis; e a lojinha de bijuteria da SQSW 103 que tem cada coisa linda que a dona (uma moça muito simpática) traz de São Paulo. Curioso que a pizzaria fica no subsolo e a lojinha de biju tem acesso pelos fundos do bloco – ou seja: só encontra esses lugares quem sai mesmo pra bater perna.

Nessa última semana saí disposta a percorrer também uns pedaços da Asa Sul e voltei com outros grandes achados. Um dia, no caminho pro almoço, reencontrei aquela livraria antiga da 108 Sul que é ao mesmo tempo loja e sebo, e descobri que ali você acha uns livros incríveis (até obras em inglês) por menos de R$ 5. No sábado, o restaurante que fica ao lado da livraria serve uma feijoada de respeito, com direito a mesinha aproveitando o sol na calçada – coisa que nesses dias frios não tem preço. Passando pela 113, entrei numa loja de móveis que existe ali há milênios mas que eu nunca tinha visitado: tem umas mesas de fazenda e uns móveis rústicos que são muito legais mesmo – só é pena que o preço não seja tão lindo quanto as peças. E por falar em coisas lindas-mas-infelizmente-caras, meu queixo quase caiu numa loja super bacana que eu descobri na 112: sério, eu encontrei ali as bolsas mais legais que eu já vi em Brasília.

É claro que não é só o Sudoeste nem só a Asa Sul que têm novidades interessantes escondidas pelas quadras, e nem só de comércio e compras são feitas as boas caminhadas que você pode dar por Brasília. Outro dia conheci uma pessoa que cultiva o saudável hábito de ir a pé todos os dias pro trabalho, da 404 Sul até o Banco Central, e sabe o que ele me disse?, que o mais legal do caminho não são nem as lojas, nem as pessoas: é a natureza toda que habita aquelas calçadas arborizadas. Ele contou que, de uns tempos pra cá, tem visto muitos passarinhos diferentes, uns periquitos, uns canários coloridos, que fazem do caminho dele uma cantoria só. Bacana, né? O comentário dele me fez pensar que esse meu assunto aí não é nada novo. Um tal de Luiz Gonzaga, sanfoneiro velho que sabia das coisas, escreveu uma vez que tem coisas que pra-modi-ver o cristão tem de andar a pé. Pois é mesmo. E eu concordo.

Carol Nogueira é jornalista, brasiliense convicta e acha que quem anda por gosto não se cansa. Ela escreve a coluna grande-circular quinzenalmente no Canal Brasília do site www.candango.com.br .